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A Cidade das Sombras: a cidade murada de Kowloon

  • Foto do escritor: Chris Kelly
    Chris Kelly
  • 7 de fev. de 2022
  • 6 min de leitura

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Depois de um tempo sem escrever, sem ideias certas do que fazer ou não no blog e sem vontade nenhuma de escrever timeline, finalmente vi um assunto que me deu a motivação certa que eu estava procurando esses dias. A antiga cidade de Kowloon: a colmeia humana de Hong Kong. Eu até então não sabia da existência dela e creio que muitos que possam ver essa postagem também não saibam.


Creio que muitos que viveram a década de 80/90 tiveram contato com filmes como Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986) estrelado por Kurt Russel ou até os filmes do Jackie Chan como o Mr. Nice Guy (1998) que envolvem Tríades e Máfia controlando e andando livremente nas cidades e os seus cidadãos achando isto super normal e levando suas vidas numa boa como qualquer dia comum, muitos pensaram e se perguntaram: De onde veio a inspiração? Não é possível que na China seja assim...


A resposta para essa pergunta e muitas outras envolvendo filmes de bairros chineses que são um universo próprio em si, é a famosa e infame ao mesmo tempo cidade das sombras: Kowloon.


Até 1994, em Hong Kong, havia uma cidade que parecia algo saída de um filme de ficção científica. Era conhecida como a cidade murada de Kowloon. Pode se acreditar ou não, mas na Cidade Murada de Kowloon moravam cerca de duas pessoas por metro quadrado. Em seu apogeu, no final dos anos 1980, a Cidade das Sombras, como era conhecida, tinha construções de 40 metros de altura e abrigava em seus 27 mil metros quadrados, o equivalente a pouco mais que dois campos de futebol, abrigando cerca de 50 mil habitantes.


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A história da cidade remonta à dinastia Song - dominou a China no período compreendido entre 960 e 1279 – que ali fez nascer uma fortaleza para defender-se dos ataques dos piratas. Ainda assim, não foi considerada uma cidade até à segunda metade do século XIX.


Esse posto se manteve esquecido até 1842, quando os chineses precisaram dele novamente para proteger a península de Kowloon, referente a primeira Guerra do Ópio. O antigo posto se tornou uma cidade murada, que foi posta à prova diversas vezes. Sua sorte, porém, não duraria para sempre. Em 1898, o domínio da Grã-Bretanha se estendeu e a China foi obrigada a ceder a ela os chamados “Novos Territórios” de Hong Kong, incluindo 235 ilhas vizinhas e Kowloon.


A China passou a reivindicar completamente a propriedade do terreno de Kowloon em 1947, mas sua separação do continente significou que eles fizeram pouco para impor suaas leis, enquanto a Grã-Bretanha também adotou uma política de "pouca interferência".


Depois da ocupação japonesa, na Segunda Guerra Mundial, a cidade converteu-se no lar de muitos refugiados e imigrantes ilegais. Em 1950, já tinha 17.000 pessoas a viver sob a sua própria lei, ignorando as regras do exterior. Dos anos 50 aos 70, foi controlada por grupos locais e teve altos índices de prostituição, de jogos de apostas e abuso de drogas.


Foi em 1984 que ambos os governos decidiram que a Cidade Murada havia se tornado um embaraço suficiente e uma monstruosidade que eles teriam que derrubá-la. Em 1990, a cidade murada já tinha 50 mil habitantes nos seus 2,6 hectares de terreno. Em 1992, os residentes foram despejados e receberam uma compensação monetária, e o local foi convertido em um parque público comemorativo. Em 23 de março de 1993, os tratores se postaram diante da cidade para derrubá-la. Somente uma ano depois, em abril de 1994 é que a demolição completa já estava feita.


No seu pico, a Cidade Murada de Kowloon era o lar de 33.000 pessoas em apenas dois hectares de terra - o tamanho de cerca de pouco mais que dois campos de futebol - tornando-o o lugar mais denso na Terra na época. Era um conglomerado de pequenos apartamentos, um sobre o outro, com varandas enjauladas e conectados através de um labirinto de corredores úmidos e escuros. Enquanto isso, o restante de Hong Kong continuava normal, aparentemente não afetado pelo crime e a miséria dentro da cidade murada.


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Com o passar dos anos, a cidade não parou de crescer - não em largura, mas em altura. O “planeamento arquitetónico” deu origem a uma autêntica favela vertical de minúsculas casas quadradas que davam à cidade a aparência de uma colmeia humana. As ruas eram semelhantes a túneis e labirintos, nos quais não havia sinais de luz do sol, com telhados em cima de milhares de cabos e canos. Por estas razões, a cidade amuralhada de Kowloom também foi apelidada de "Cidade das Trevas" ou "Cidades das Sombras" por quem se atrevia a visitar suas comodações e até a viver por lá.


A maneira como muitos habitantes falam da Cidade Murada, com algo que se aproxima de orgulho, dá uma impressão muito diferente de sua representação popular - é muito mais fácil contar uma história de estilos de vida depravados em um labirinto escuro de condições desumanas de vida. Isso não quer dizer que isto não existia, mas esta não era a única história que a Cidade Murada tinha para contar.


Os que viveram lá, mencionam livremente os muitos negócios não regulamentados lá, com especial menção aos muitos dentistas não licenciados que poderiam operar livres de responsabilidade, e também as barracas de carne de cachorro, que encontraram sucesso enquanto a cozinha canina era ilegal no restante de Hong Kong. havia até a menção das deliciosas tigelas de macarrão que se podia encontrar lá. Em vez disso, a cidade murada de Kowloon normalmente é descrita como "pós-apocalíptica", "assustadora" e "louca".


Esses cidadãos admitem que sabiam que as pessoas estavam sendo assaltadas por lá e que muitos geralmente evitavam o lugar depois de escurecer, mas a maioria elogiaram as Tríades sobre sua organização da Cidade Murada. Elas estavam agindo lá dentro como um conselho municipal do lugar (embora financiado por drogas e aplicado através da violência), as Tríades organizaram até um corpo de bombeiros voluntário e a gestão de lixo, e resolviam os conflitos civis, particularmente aqueles entre empresas concorrentes.


A maneira como os populares que moravam lá falam da Cidade Murada, com algo que se aproxima de orgulho, dá uma impressão muito diferente de sua representação pela mídia e documentários que foram feitas pela mesma. Como se lá fosse o "fim do mundo"... Sendo que não era bem assim.


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Sim havia muitas pessoas que viviam por lá, cresciam, se casavam, formavam família e faziam seu comércio, enfim a vida inteira por lá. A cidade das sombras era literalmente a vida inteira dessas pessoas que, para nós ocidentais e membros de fora dessa comunidade era a representação da desumanidade e do caos. Mas para quem vivia por lá, já estava acostumado com suas condições e meios de vida, era a experiência que muitos tinham como viver numa vila antiga da China.


A surpreendente vivacidade e comunidade da cidade murada mostrou que, quando livre de lei e responsabilidade, as coisas não vão ser ótimas, mas não têm que ser um fracasso total. Quando a Cidade Murada de Kowloon foi demolida por forças externas, muitos de seus moradores ficaram insatisfeitos com sua expulsão, e nem mesmo a compensação financeira restaurou a comunidade que deixaram para trás.


O juízo comum e preguiçoso lançado sobre culturas desconhecidas infelizmente está em toda parte. Embora fosse falso dizer que os documentaristas e historiadores que retrataram a Cidade das Sombras estavam exagerando a extensão das condições miseráveis, da pobreza e dos espaços apertados, essas qualidades só são impressionantes em sua intensidade. Que fica o seguinte pensamento:


"As vezes o que você vê e considera ruim, para aquela pessoa que vive ali naquelas condições e desfruta daquilo diariamente, não considera isto tão ruim como você. Tudo é questão de meios de vida e pontos de vista."


E como diria Peter Popham no artigo publicado na The Independent Magazine, maio de 1990:



“Kowloon foi, possivelmente, a coisa mais próxima a uma cidade moderna verdadeiramente auto-regulada, auto-suficiente e auto-determinada já construída na história…era onde eles [imigrantes ilegais], recuperavam seu fôlego: onde eles podiam viver como chineses entre chineses, sem pagar impostos, participar de censos ou serem atormentados por governos de qualquer natureza. Aqui os aluguéis eram piedosamente baixos e nenhum xereta colonial bisbilhotava perguntando sobre vistos, licenças, condições de trabalho, salários ou qualquer outra coisa.”


“O que fascina sobre a Cidade Murada é que, apesar de todos seus problemas, seus construtores e residentes tiveram sucesso ao criar o que arquitetos modernos, com todos os seus recursos em dinheiro e expertise, falharam: uma cidade como ‘megaestrutura orgânica’, não determinada rigidamente para a vida toda mas continuamente respondendo às constantes mudanças de demandas dos seus usuários, atendendo todas as necessidades desde abastecimento de água a religião, provendo ainda o aconchego e a intimidade de uma única enorme residência.”


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Acima é a imagem do comerciante Chau Sau Yee, padeiro e pequeno empresário da Cidade Murada de Kowloon. (Imagem: Greg Girard e Ian Lambot) que no qual tinha seu comércio bem estabelecido na cidade que hoje só restam memórias e lembranças de um passado perdido de uma área considerada sombria de Hong Kong... que era iluminada pelas pessoas que viviam lá e suas emocionantes histórias de vida marcadas naquela comunidade local.


Fontes e Referências:


 
 
 

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